Iniciou-se ontem (19) no Supremo Tribunal Federal o julgamento do Recurso Extraordinário 999.435, com repercussão geral, que versa sobre a (in)constitucionalidade da dispensa coletiva de trabalhadores sem prévia negociação coletiva do sindicato.
O Recurso Extraordinário foi proposto pela Empresa Brasileira de Aeronáutica S.A. – EMBRAER e pela Eleb Equipamentos LTDA em face de decisão do Tribunal Superior do Trabalho que, mantendo decisão do Tribunal Regional do Trabalho da 15ª Região (São Paulo), entendeu que a negociação coletiva é pressuposto de validade dos processos de dispensa em massa.
Vale ressaltar, entretanto, que nesse caso o TST entendeu que este novo entendimento seria aplicável apenas para casos futuros, e não para a situação da EMBRAER, que no ano de 2009 havia realizado a dispensa coletiva de quatro mil trabalhadores sem diálogo prévio com o sindicato da categoria.
Posicionamento do Ministério Público Federal
A Procuradoria-Geral da República se manifestou contrariamente à possibilidade da dispensa de negociação coletiva para a demissão em massa de empregados e pugnou pela negativa de provimento do Recurso Extraordinário e pela manutenção da compreensão firmada pelo Tribunal Superior do Trabalho.
Sustentou, em síntese, que o valor da proteção social do trabalho e da livre iniciativa devem ser harmonizados com os fundamentos do texto constitucional, sobretudo em face do direito social fundamental à garantia contra a despedida arbitrária ou sem justa causa nos termos de lei complementar, por efeito do art. 7º, I, da Constituição da República.
Ainda que não tenha sido editada a referida lei complementar a que se refere o dispositivo, a PGR afirmou que o Brasil é signatário da Convenção 158 da OIT, sobre o “término da relação de trabalho por iniciativa do empregador”, que trata dos mecanismos de proteção do trabalhador contra a dispensa arbitrária ou sem justa causa.
Enfatizou, além disso, que, com esteio no art. 5º, § 2º, da Constituição da República, estão incluídos no bojo da proteção constitucional as normas internacionais constantes de tratados protetivos de direitos humanos, a exemplo da aludida Convenção, cujo teor de suas disposições, por seu caráter supralegal, prevalecem sobre as leis nacionais, ordinárias ou complementares.
Por fim, defendeu que, estando a Convenção 158 em pleno vigor, devem ser observados os seus arts. 13 e 14, que determinam a adoção de práticas de informação e de notificação em razão do término da relação de trabalho por motivos econômicos, tecnológicos, estruturais ou análogos.
Inferiu dos citados preceitos que não é admissível a demissão em massa sem a prévia comunicação e negociação com a representação dos trabalhadores, além de que devem incidir na espécie por força do princípio geral vigente do direito internacional e dos direitos humanos de aplicação da norma mais benéfica.
À vista disso, concluiu que não se cuida de proibição de demissão dos empregados para a reestruturação ou mesmo para o encerramento das atividades empresariais, e sim da observância de sua prática segundo as regras constitucionais e internacionais aplicáveis, em atenção à medida de autocomposição extraída do sistema jurídico nacional e internacional, com vistas ao equacionamento dos valores em conflito.
Voto do Ministro Marco Aurélio (relator)
O processo foi distribuído para relatoria do Ministro Marco Aurélio, que foi, portanto, o primeiro a votar. O Ministro iniciou seu voto falando sobre o princípio da dignidade humana, do desequilíbrio inerente ao mercado de trabalho brasileiro e sobre as peculiaridades do Direito do Trabalho. Nessa linha, o Ministro destacou que o trabalhador, por necessitar do emprego para o seu sustento, termina por colocar em outros planos as suas reivindicações menos imediatas.
Na sequência, o Relator defendeu que a Constituição Federal precisa ser analisada em sua integralidade e não a partir da redação isolada de seus artigos. Assim, afirmou que o art. 7, I, da Constituição Federal remeteu aos termos da lei complementar a proteção da relação de emprego contra dispensa arbitrária ou sem justa causa, que preverá indenização compensatória, dentre outros direitos.
Como a referida lei complementar até o momento não foi editada, o Ministro Marco Aurélio afirmou que se deve voltar a análise para o art. 10 do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias, segundo o qual a proteção contra à dispensa prevista no art. 7, I, da Constituição Federal fica limitada ao pagamento da multa de 40% do FGTS. Para o Relator, somente as situações excepcionalizadas no art. 10 em questão estão protegidas contra dispensa arbitrária ou sem justa causa.
Assim, o Ministro Marco Aurélio defendeu a interpretação restritiva dos dispositivos sob a justificativa de que ninguém é obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão em virtude da lei — o princípio da legalidade. O Ministro ressaltou ainda que, nos casos em que a Constituição Federal tinha interesse na intervenção sindical, ela o fez de forma expressa, como nos casos da possibilidade de negociação de salário, jornada de trabalho e turno de revezamento.
O Ministro Marco Aurélio sustentou ainda a necessidade de se garantir segurança jurídica, que possuiria direito potestativo de se reestruturar por razões de ordem econômica e financeira. Afirmou que a dispensa é ato unilateral e não depende da concordância da parte contrária. Por fim, ressaltou que a própria CLT, após a Lei n. 13.467/2017, a Reforma Trabalhista, passou a ter previsão de que as dispensas imotivadas individuais, plúrimas ou coletivas obedecem ao mesmo regramento legal, não havendo necessidade de negociação coletiva para sua efetivação.
O Ministro propôs, assim, a seguinte tese: a dispensa em massa de trabalhadores prescinde de negociação coletiva.
Voto do Ministro Alexandre de Moraes
Na sequência, foi a vez do Ministro Alexandre de Moraes apresentar seu voto. O referido Ministro destacou que, embora a Constituição Federal tenha aberto a possibilidade de o legislador editar lei complementar ampliando a proteção sobre a dispensa no Brasil, até o momento não foi editada a referida legislação, de modo que se deve recorrer ao art. 10 do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias, que apenas teria previsto a necessidade de pagamento da multa de 40% do FGTS.
Além disso, o Ministro afirmou que a Constituição Federal não diferenciou os tipos de dispensa (individuais, plúrimas ou coletivas), bem como que nos casos em que teria interesse na realização de negociação coletiva, o texto constitucional teria previsto de forma expressa. Tal como o Ministro Relator, também destacou que após a Lei n. 13.467/2017, a CLT passou a prever que não há necessidade de negociação coletiva para efetivação da dispensa coletiva.
O Ministro Alexandre de Moraes afirmou que, diante desse quadro, não haveria vácuo normativo apto a atrair a atuação do poder normativo da Justiça do Trabalho sobre a matéria. Além disso, defendeu que a Convenção 158 da Organização Internacional do Trabalho não foi incorporada ao ordenamento jurídico.
Assim, o Ministro acompanhou a tese proposta pelo Ministro Marco Aurélio.
Voto do Ministro Nunes Marques
Após o Ministro Alexandre de Moraes, foi a vez do Ministro Nunes Marques afirmar que acompanharia o voto e a tese do Ministro Marco Aurélio e que posteriormente juntará aos autos do processo cópia escrita do seu voto. Depois do Ministro Nunes Marques, foi a vez do Ministro Edson Fachin apresentar o seu voto.
Voto do Ministro Edson Fachin (divergência)
O Ministro Edson Fachin abriu divergência, ou seja, discordou dos votos dos Ministros anteriores e entendeu pela necessidade de negociação prévia com o sindicato nos casos de dispensa coletiva. Para o Ministro, a Constituição Federal colocou o ser humano no centro do ordenamento jurídico e o Direito do Trabalho como direito social fundamental.
Dessa forma, afirmou que na relação de trabalho é com o trabalhador que se expressa a concepção maior da dignidade da pessoa humana, fundamento do ordenamento constitucional, que exige não proteção abstrata, mas sim concreta e real, por parte do Estado e da comunidade em geral. Assim, medidas que visam a manutenção de um patamar civilizatório mínimo precisam ser privilegiadas.
O Ministro Edson Fachin ressaltou a existência de convenção interamericana de direitos humanos que prevê a progressividade das normas econômicas e sociais, bem como da Convenção n. 158 do TST que trata sobre o término da relação de trabalho, e destacou que é direito do trabalhador o reconhecimento dessas normas internacionais que visam proteger direitos trabalhistas.
Além disso, o Ministro destacou a existência de risco real, e não só iminente, de violação em cascata de direitos fundamentais, especialmente quando se analisa a necessária participação sindical na conformação do direito dos trabalhadores. Nessa linha, ressaltou que o art. 7º, I, da Constituição Federal é claro ao prever a proteção contra dispensa arbitrária ou sem justa causa.
Assim, o Ministro votou pela manutenção integral da decisão do TST.
Após o voto do Ministro Edson Fachin, o julgamento foi suspenso e será retomado hoje (20.05.2021).
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