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  • Foto do escritorOBSERVATÓRIO DA REFORMA NO STF

O Supremo Tribunal Federal e a Lista Suja

O capítulo 18 do livro O Supremo e a Reforma Trabalhista, intitulado: O Supremo Tribunal Federal e a lista suja: os julgamentos da ADI 5209 e da ADPF 509, foi elaborado por Raissa Roussenq Alves, pesquisadora e Mestra em Direito pela Universidade de Brasília.


Primeiramente, realiza-se breve histórico do combate ao trabalho escravo no Brasil. Nesse sentido, o acordo de solução amistosa do Caso José Pereira, firmado pelo Brasil frente à Comissão Interamericana de Direitos Humanos em 2003, é tido como estopim de discussões que levaram a reforma da legislação penal para a ampliação do conceito de trabalho análogo à escravidão, bem como a criação de medidas adicionais à proteção do trabalhador contra essas situações: a Comissão Nacional para Erradicação do Trabalho Escravo (CONATRAE) e a Lista Suja.


Diante de uma definição mais concreta e completa do que caracterizaria o trabalho escravo contemporâneo, introduzida pela nova redação do art. 149 do Código Penal Brasileiro dada pela Lei nº 10.803/2003, diversas portarias ministeriais passaram a ser emitidas para regular o funcionamento de um cadastro de empregadores que tenham sido condenados por submeter trabalhadores a condições análogas de escravo, popularmente conhecido como "Lista Suja".


Em linhas gerais, o funcionamento do Cadastro é o seguinte: o nome dos empregadores, após decisão administrativa definitiva e irrecorrível, passa a constar na lista, podendo este ser retirado se, decorrido o prazo de dois anos, não seja verificada reincidência ou a existência de débitos trabalhistas ou fiscais. Destaca-se, ainda, que a inclusão do nome dos empregadores infratores não lhes gera nenhuma consequência direta, mas a publicização das ações de fiscalização e combate ao trabalho escravo contemporâneo por meio do Cadastro. Nas palavras da autora do capítulo, “tem se mostrado especialmente eficaz no combate ao trabalho escravo, pois, além de comprometer a imagem pública das empresas e dos empregadores, dificulta o acesso a crédito pelos escravagistas. Como consequência, tem sido alvo de diversas ações judiciais perante o Supremo Tribunal Federal (STF) com o intuito de barrar seu funcionamento”.


Em 2014, o STF foi questionado sobre a constitucionalidade da Lista Suja por meio da ADI 5209, ajuizada pela Associação Brasileira de Incorporadores Imobiliários (ABRAINC). A referida associação sustentou que haveria inconstitucionalidade da Portaria MTE nº 530/2004 e da Portaria Interministerial MTE/SDH nº 2/2011, tendo em vista que o Cadastro violaria os princípios da separação de poderes, da reserva legal, do devido processo legal e da presunção de inocência, bem como outros artigos constitucionais. Entretanto, tal ação foi extinta pela perda superveniente de seu objeto em decorrência publicação da Portaria Interministerial MTE/SEDH nº 02/2015, e a medida cautelar de suspensão de eficácia dos regulamentos impugnados, concedida pelo Ministro Lewandowski, foi cassada.


Diante da falta de julgamento do mérito, em 2018 foi ajuizada outra ação pela ABRAINC, desta vez a ADPF 509, para questionar a constitucionalidade da Lista Suja. Partindo-se da Portaria MTPS/MMIRDH nº 4/2016 e de suas anteriores, novamente são suscitados a violação a princípios constitucionais como o da separação de poderes e da presunção de inocência, adicionando-se, entretanto, argumentação de que o combate ao trabalho escravo por meio do Cadastro iria contra os valores sociais do trabalho e da livre inciativa, assim como estabelecidos pelos arts. 1º e 3º da Constituição Federal de 1988.


De início, a medida cautelar foi negada pela Ministra Carmem Lúcia e, em setembro de 2020, o Plenário do STF acordou pela constitucionalidade da Lista Suja nos termos do voto do relator, o Ministro Marco Aurélio.


Destacando trechos de tal voto, percebe-se que a argumentação do ministro se focou nas normas presentes na Lei de Acesso à Informação, entendendo que o Cadastro não possui natureza sancionadora, mas é responsável pela publicização de decisões definitivas formalizadas em processos administrativos referentes a autos de infração. Nesse sentido, defende-se o dever de transparência ativa dos órgãos e entidades da Administração Pública de divulgar informações de interesse público. Ressalta-se, ainda, que a inscrição na Lista Suja observa as garantias da ampla defesa, potencializa a proteção dos trabalhadores e amplifica a reprovabilidade social da conduta dos empregadores.


Entretanto, a desvalorização do direito do trabalho no âmbito do STF pode ser observada tanto na decisão monocrática proferida pelo Ministro Lewandowski na ADI 5209, quanto pelo julgamento da ADPF 509. Destaca-se que o voto do Ministro Marco Aurélio na referida ADPF determinou a constitucionalidade da Lista Suja somente após balizá-la no âmbito da Lei de Acesso à Informação, ignorando o vasto arcabouço jurídico que fundamenta o combate ao trabalho escravo contemporâneo e a existência do Cadastro de empregadores infratores. Portanto, o entendimento vencedor baseia a constitucionalidade do Cadastro no dever de transparência ativa da Administração Pública, mas não aprecia os diversos princípios e normas do direito constitucional do trabalho relativos à defesa da dignidade e integridade dos trabalhadores.


A autora ressalta que alguns argumentos favoráveis à Lista Suja, baseados em normas de direito do trabalho, foram brevemente mencionados pelo Ministro Fachin, em voto vogal, mas também não foram apresentados no Plenário Virtual. Nesse voto, defende-se a impossibilidade da coexistência entre escravidão e democracia, destacando a dificuldade histórica do Brasil de extinguir regimes de exploração do trabalhador, e demonstra que, além da Lei de Acesso à Informação, diversos tratados internacionais de direitos humanos ratificados pelo país e normas constitucionais de tutela do direito ao trabalho digno já fundamentam a existência do Cadastro.


Portanto, apesar do reconhecimento da constitucionalidade da Lista Suja, o julgamento da ADPF 509 demostra a desvalorização do direito do trabalho no âmbito jurisdicional, que, juntamente à constante ameaça de desintegração da Justiça do Trabalho, ao recente enfraquecimento das inspeções do trabalho e às alterações normativas introduzidas pela Reforma Trabalhista, configura um cenário turbulento com sérias repercussões ao combate do trabalho análogo à escravidão e a demais direitos dos trabalhadores.



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Referência bibliográfica


ALVES, Raissa Roussenq. O Supremo Tribunal Federal e a lista suja: os julgamentos da ADI 5209 e da ADPF 509. In: DUTRA, Renata; MACHADO, Sidnei (orgs). O Supremo e a Reforma Trabalhista: a construção jurisprudencial da Reforma Trabalhista de 2017 pelo Supremo Tribunal Federal. Porto Alegre, RS: Editora Fi, 2021, p. 492-513.


Elaboração: Beatriz Araujo Barbosa Saraiva, com o apoio da equipe do Observatório.

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