Analisa-se a inconstitucionalidade das restrições legais à garantia da gratuidade da justiça.
AÇÃO
ADI 5766
TESE
Inconstitucionalidade das restrições legais à garantia da gratuidade da justiça.
ANDAMENTO
Vistos Antecipados pelo Ministro Luis Fux
RELATOR
Ministro Roberto Barroso
PARTE REQUERENTE
Procuradoria Geral da República
EMENTA
DIREITO CONSTITUCIONAL E DO TRABALHO. AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE. ACESSO À JUSTIÇA. GRATUIDADE DE JUSTIÇA. MÍNIMO EXISTENCIAL. INCONSTITUCIONALIDADE PARCIAL.
OBJETO
Foi apresentada oposição às alterações/inclusões dos dispositivos CLT, art. 790-B, caput e §4º; art. 791-A, §4º; art. 844, §§2º e 3º, decorrentes da Lei 13.467/17, considerados inconstitucionais porque caracterizam restrições legais à garantia da gratuidade da justiça, por impor aos seus destinatários: i) o pagamento de honorários periciais e sucumbenciais, quando tiverem obtido em juízo, inclusive em outro processo, créditos capazes de suportar a despesa; e (ii) o pagamento de custas, caso tenham dado ensejo à extinção da ação, em virtude não comparecimento à audiência, condicionando a propositura de nova ação a tal pagamento.
PRINCIPAIS ATOS E PEÇAS DECISÓRIAS
ANDAMENTO COMPLETO
PEÇAS DISPONÍVEIS
FUNDAMENTOS DO ACÓRDÃO
Ainda não há acórdão.
FUNDAMENTOS DO VOTO DO MIN. LUÍS BARROSO
As normas processuais devem criar incentivos e desincentivos compatíveis com os limites de litigiosidade que a sociedade comporta, mantendo o equilíbrio entre o custo individual de postular em juízo e o custo social da litigância.
A inocorrência de equilíbrio entre o custo individual de postular em juízo e o custo social da litigância é causa de sobreutilização do Judiciário, por conseguinte, “congestiona o serviço, compromete a celeridade e a qualidade da prestação da tutela jurisdicional, incentiva demandas oportunistas e prejudica a efetividade e a credibilidade das instituições judiciais. Vale dizer: afeta, em última análise, o próprio direito constitucional de acesso à Justiça”.
A cobrança de honorários sucumbenciais dos beneficiários da gratuidade de justiça é mecanismo de desincentivo ao ajuizamento de pedidos “aventureiros”;
A não cobrança antecipada de qualquer importância com condição para litigar é suficiente para assegurar a gratuidade da justiça
Conforme a Lei 8.213/1991, art. 115, incs. II e VI; Decreto 3.048/1999, art. 154, § 3º; e Decreto 8.690/2016, art. 5º, os créditos havidos em outro processo respondem 100% das verbas de natureza não-alimentar e em 30% das verbas de natureza alimentar, desde que não inferiores ao teto do Regime Geral da Previdência Social (RGPS).
Cabe a cobrança das custas judiciais a quem der causa ao arquivamento do feito por não comparecimento injustificado à audiência;
Cabe condicionar nova propositura de ação ao pagamento das custas judiciais decorrentes do arquivamento anterior.
TESES DE JULGAMENTO
(as teses ora apresentadas correspondem na íntegra ao resumo do voto)
O direito à gratuidade de justiça pode ser regulado de forma a desincentivar a litigância abusiva, inclusive por meio da cobrança de custas e de honorários a seus beneficiários;
A cobrança de honorários sucumbenciais poderá incidir:
Sobre verbas não alimentares, a exemplo de indenizações por danos morais, em sua integralidade;
Sobre o percentual de até 30% do valor que exceder ao teto do RGPS, quando pertinentes a verbas remuneratórias.
É legítima a cobrança de custas judiciais, em razão da ausência do reclamante à audiência, mediante sua prévia intimação pessoal para que tenha a oportunidade de justificar o não comparecimento.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS UTILIZADAS
Não foram utilizadas referências bibliográficas.
FUNDAMENTOS DO VOTO DO MIN. EDSON FACHIN
Art. 5º, XXXV e LXXIV, da Constituição Federal;
Aplicação da “teoria da restrição das restrições”;
Prerrogativa historicamente prevista nas Constituições brasileiras em favor dos hipossuficientes econômicos com a finalidade de lhes garantir pleno acesso à Justiça;
Lei 1.060/1950: regulamentou o direito à gratuidade da Justiça no plano infraconstitucional com normas que atribuíram à assistência judiciária gratuita seu sentido mais amplo;
A Lei 1.060/1950, foi parcialmente substituídas por disposições semelhantes inseridas no Código de Processo Civil, de 2015, estabelecendo requisitos essenciais para o pleno exercício do direito fundamental de acesso à Justiça;
Os principais obstáculos de acesso à justiça são os de ordem econômica; vê-se nos custos da litigância cível, o afastamento significativo das casses economicamente mais frágeis do acesso à justiça institucionalizada;
Art. 8º, do Pacto de São José da Costa Rica, norma internacional que reforça o caráter de dúplice eficácia no ordenamento jurídico-constitucional de proteção ao direito fundamental à gratuidade da Justiça;
A desigualdade social requer tratamento isonômico, de modo que a restrição no âmbito trabalhista “das situações em que o trabalhador terá́ acesso aos benefícios da gratuidade da justiça, pode conter em si a aniquilação do único caminho de que dispõem esses cidadãos para verem garantidos seus direitos sociais trabalhistas”.
“A defesa em juízo de direitos fundamentais que não foram espontaneamente cumpridos ao longo da vigência dos respectivos contratos de trabalho, em muitas situações, depende da dispensa inicial e definitiva das custas do processo e despesas daí decorrentes, sob pena de não ser viável a defesa dos interesses legítimos dos trabalhadores”.
A Lei 13.467/2017 atualizou o modelo de gratuidade da Justiça Laboral mediante condições restritivas ao exercício desse direito por parte dos trabalhadores litigantes;
É duvidosa a constitucionalidade em concreto das restrições impostas pelo legislador ordinário, com indicativo de esvaziamento do interesse dos trabalhadores hipossuficientes econômicos, uma vez que o receio de que suas demandas, ainda que vencedoras, lhe ofereçam o retorno devido;
É preciso restabelecer a integralidade do direito fundamental de acesso gratuito à Justiça Trabalhista, especialmente pelo fato de que, sem a possibilidade do seu pleno exercício por parte dos trabalhadores, é muito provável que estes cidadãos não reúnam as condições mínimas necessárias para reivindicar seus direitos perante esta Justiça Especializada.
Deve ser perseguida a máxima efetividade do direito fundamento de acesso à Justiça por meio da sua gratuidade;
“Mesmo que os interesses contrapostos a justificar as restrições impostas pela legislação ora impugnada sejam assegurar uma maior responsabilidade e um maior compromisso com a litigância para a defesa dos direitos sociais trabalhistas, verifica-se, a partir de tais restrições, uma possibilidade real de negar-se direitos fundamentais dos trabalhadores pela imposição de barreiras que tornam inacessíveis os meios de reivindicação judicial de direitos, o que não se pode admitir no contexto de um Estado Democrático de Direito”.
Não há inconstitucionalidade da nova redação do art. 790-B, caput, da CLT, que se refere a imputar a responsabilidade ao trabalhador sucumbente, somente sendo admitida a cobrança quando cessadas as condições que deram causa a ser o trabalhador beneficiário da gratuidade;
É inconstitucional o uso do crédito em outras ações para pagamento das verbas sucumbenciais, porquanto não seja o recebimento de créditos trabalhistas ou de outra natureza não modificam por si a condição de miserabilidade jurídica do trabalhador;
Um trabalhador não pode ser impedido de obter acesso à Justiça em virtude da sua conduta em outro processo, sob pena de esvaziamento da proteção constitucional;
As restrições impostas pelo legislador ordinário não afrontam somente o direito à gratuidade da Justiça, mas todos os demais que por ele se realizam, entre eles os que visam a conformar e concretizar os fundamentos da República relacionados à cidadania (art. 1o, III, da CRFB), da dignidade da pessoa humana (art. 1o, III, da CRFB), bem como os objetivos fundamentais de construção de uma sociedade livre, justa e solidária (art. 3o, I , da CRFB) e de erradicação da pobreza e da marginalização, bem como a redução das desigualdades sociais (art. 3o, III, da CRFB);
“Apresenta-se relevante, nesse contexto, aqui dizer expressamente que a gratuidade da Justiça, especialmente no âmbito da Justiça Laboral, concretiza uma paridade de condições, propiciando às partes em litígio as mesmas possibilidades e chances de atuarem e estarem sujeitas a uma igualdade de situações processuais. É a conformação específica do princípio da isonomia no âmbito do devido processo legal”.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS UTILIZADAS
CAPPELLETTI, Mauro. Acesso à Justiça. Trad. Tupinambá Pinto de Azevedo. In Revista do Ministério Público Nova Fase, Porto Alegre, v. 1, n. 18, p. 8-26, 1985.
MESSITTE, Peter. Assistência Judiciária no Brasil: uma pequena história. In Revista da Faculdade de Direito da UFMG, p. 126-150.
NERY JÚNIOR, Nelson. Princípios do processo na Constituição Federal. São Paulo : RT, 2013, p.127.
Elaboração de Gabriel Trajano, com apoio da equipe do Observatório Trabalhista do Supremo Tribunal Federal.
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