Em 30 de março de 2017, o Supremo Tribunal Federal, a partir do julgamento do Recurso Extraordinário nº 760.931, fixou a seguinte tese de repercussão geral (tema 246):
“O inadimplemento dos encargos trabalhistas dos empregados do contratado não transfere automaticamente ao Poder Público contratante a responsabilidade pelo seu pagamento, seja em caráter solidário ou subsidiário, nos termos do art. 71, § 1º, da Lei nº 8.666/93.”
O referido Recurso Extraordinário foi interposto pela União contra acórdão do Tribunal Superior do Trabalho, alegando violação dos arts. 5º, inciso II, 37, caput, 97 e 102, § 2º, da Constituição Federal, e contrariedade ao precedente da ADC 16. Teve como relatora a Ministra Rosa Weber, que restou vencida, tendo sido acompanhada pela minoria de Edson Fachin, Roberto Barroso, Celso de Mello e Ricardo Lewandowski, sendo o Ministro Luiz Fux, que abriu a divergência, o redator para o acórdão.
A Corte deu provimento parcial ao recurso, entendendo que o legislador optou, no art. 71, §1º, da Lei de Licitações, pela não responsabilização da Administração Pública, enquanto contratante de serviços terceirizados, por encargos trabalhistas descumpridos pelo contratado — dispositivo que o STF já teria julgado constitucional por ocasião da ADC 16.
No julgamento da Ação Declaratória de Constitucionalidade nº 16, o STF declarou constitucional o art. 71, §1º, da Lei de Licitações (Lei nº 8.666/93), que dispunha que a Administração Pública não seria responsabilizada em relação aos encargos trabalhistas enquanto contratante de serviços terceirizados, havendo inadimplência do contratado. Em contrapartida, entendeu-se que a Administração Pública poderia ser responsabilizada se houvesse reconhecida culpa do Estado na contratação (culpa in eligendo) ou na fiscalização (culpa in vigilando).
Entretanto, não foi definido na ADC 16 o ônus da prova, ou seja, a quem caberia a comprovação de existência, ou não, de culpa por parte da Administração Pública no descumprimento dos encargos trabalhistas devidos ao trabalhador terceirizado.
Essa discussão retornou ao RE nº 760.931, decidindo o STF, ainda que de forma lateral, que o ônus da prova recai sobre o Poder Público, se tratando de prova de difícil produção por parte do trabalhador.
Em análise conjunta do acórdão do RE nº 760.931 pela equipe do Observatório Trabalhista, com mapeamento dos votos de cada ministro, bem como em debate interno realizado em 15/02, foi possível identificar a construção de uma percepção desfavorável em relação à Justiça do Trabalho, tendo o Ministro Alexandre de Moraes, por exemplo, defendido que a atuação da Justiça Especializada configuraria uma criação de novas hipóteses de responsabilidade, e não a aplicação da lei.
É perceptível no acórdão, ainda, certa prevalência da ótica administrativa em relação ao direito trabalhista, com argumentos que enfatizam a importância da proteção do erário contra danos a seu patrimônio, em detrimento do princípio de proteção do trabalhador.
Também nessa linha, o princípio da eficiência na Administração Pública é invocado pela maioria vencedora para posicionar a terceirização não como um modelo precarizante de contratação, mas como um instrumento necessário à consecução da eficiência administrativa com custos menores. Fixa a ementa, inclusive, a “Terceirização como mecanismo essencial para a preservação de postos de trabalho e atendimento das demandas dos cidadãos” e a “Inexistência de precarização do trabalho humano”.
Nesse sentido, Adalcy Rachid Coutinho (2021) sinaliza o RE 760.931 como o momento de adoção, pelo STF, de uma nova “racionalidade econômica da eficiência”, que posiciona a terceirização como um “imperativo da modernidade” – o que encontraria inconfundíveis ecos na Reforma Trabalhista.
Hoje, mais de quatro anos depois da Reforma e do julgamento do RE 760.931, encontram-se em pauta embargos de declaração contra decisão que julgou lícita a terceirização de toda e qualquer atividade (RE 958.252), que o Plenário deve julgar em 06 de abril.
Desse modo, a terceirização permanece como um tema central no controle de constitucionalidade realizado pelo STF no âmbito trabalhista, e como objeto de interesses econômicos e demandas do capital que permeiam a lógica da Suprema Corte, ainda que com resistências.
Por fim, também está pendente de julgamento o Recurso Extraordinário 1298647 (tema 1.118 de repercussão geral), em que deverá ser discutida, agora como questão central, a legitimidade da transferência ao Poder Público do ônus de comprovar a ausência de culpa no descumprimento dos encargos trabalhistas de terceirizados, para fins de sua responsabilização subsidiária.
Texto elaborado por Helena Sayuri Ito de Souza, com apoio da equipe do Observatório.
Referências
BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Recurso Extraordinário nº 760.931/DF. Relatora: Min. Rosa Weber. Redator: Min. Luiz Fux. Data de julgamento: 26/04/2017, DJe: 03/10/2019. Disponível em: <https://redir.stf.jus.br/paginadorpub/paginador.jsp?docTP=TP&docID=13589144>. Acesso em: 20 fev. 2022.
COUTINHO, Aldacy Rachid. Terceirização no setor público vista pela ADC 16, ADI 1923 e tema 246 em repercussão geral: em pauta o STF. In: DUTRA, Renata; MACHADO, Sidnei (orgs). O Supremo e a reforma trabalhista: A construção jurisprudencial da Reforma Trabalhista de 2017 pelo Supremo Tribunal Federal. Porto Alegre, RS: Editora Fi, 2021.
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